Gás, naturalmente

Cogitado de forma mais intensa em nosso país a partir do ano 2000, na esteira da conclusão do gasoduto Bolívia-Brasil, o gás natural pode ser considerado ainda embrionário entre nós. Mas isto não impede a existência de excelentes perspectivas relacionadas ao seu futuro no HVAC-R, tanto por parte dos meios acadêmicos quanto dos empresariais.

No primeiro segmento, um forte exemplo disto é o entusiasmo como fala do tema o professor José Roberto Simões Moreira, cujas funções no Laboratório de Sistemas Energéticos Alternativos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (SISEA) incluem a coordenação do curso “Energias Renováveis, Geração Distribuída e Eficiência Energética”, parte integrante do Programa de Educação Continuada da Poli (PECE).

Engenheiro mecânico com doutorado nos EUA pelo Rensselaer Polytechnic Institute, ele desenvolve vários projetos relacionados às possibilidades do gás em ar-condicionado, refrigeração e microgeração, seja na qualidade de combustível para acionar o motor ou a turbina de combustão interna que faz funcionar um compressor convencional; seja para o acionamento dos ciclos de absorção, também conhecidos como queima ou fogo direto, numa tradução livre do inglês.

Mas o professor Simões não esconde de ninguém que a maior promessa enxergada por ele na área diz respeito a uma terceira via, a da cogeração, onde além de constituir alternativa à eletricidade nos horário de pico, por exemplo, o gás tem ainda um grande potencial para suprir sistemas de absorção de calor, que podem ser acionados pelos produtos de combustão que saem aquecidos pelo escape da máquina.

“Eu acredito que esta seja uma forma mais efetiva e eficiente de se usar o conteúdo energético do gás combustível, já que você o aproveita, numa primeira fase, para a geração de energia elétrica, seguida pela recuperação da energia térmica dos produtos de combustão para acionar o ciclo de refrigeração por absorção. Ou seja, você produz pelo menos duas formas de energia, a elétrica, por meio do motor ou da turbina, e o ar condicionado ou a refrigeração, dependendo do tipo de equipamento que você use como segunda finalidade”, afirma o estudioso, que há quase três décadas integra os quadros da USP.

Disseminação

Entretanto, este feliz casamento entre as energias elétrica e térmica ainda é pouco difundido entre os profissionais do HVAC-R, desconhecimento generalizado que pesou bastante na tomada de uma decisão estratégica: prover uma instalação dentro da própria USP capaz de funcionar como protótipo de vários empreendimentos futuros a serem desenvolvidos na mesma linha.

”Muito já se falou e escreveu sobre cogeração, mas ainda faltam exemplos práticos demonstrando aspectos como o tempo de maturação e o consequente payback desse tipo de obra”, afirma o engenheiro Gustavo de Andrade Barreto, diretor da Evolutio Desenvolvimento Tecnológico.

Especialista em eficiência energética, nos últimos quatro anos ele tem participado ativamente de vários projetos na área. O mais recente é o sistema que, em breve, vai funcionar na Unidade Básica de Assistência à Saúde (UBAS) do Hospital Universitário, em São Paulo.

“Será uma verdadeira vitrine, justamente em virtude da necessidade de se disseminar cultura relacionada a um segmento tão importante para a sustentabilidade”, acrescenta o engenheiro pelo Mackenzie com mestrado e doutorado na USP, onde foi aluno do próprio professor Simões, mentor do “Projeto HU”.

Embora os consultórios daquele núcleo de atendimento público já possuam aparelhos do tipo janela há algum tempo, no próximo verão as áreas comuns do prédio também vão proporcionar conforto térmico aos seus usuários. E o que é melhor, funcionando de forma sustentável, pois ao invés de consumir apenas energia elétrica, o projeto de trigeração com o uso de microturbina vai gerar energia térmica (produção de água gelada e água quente).

“A potência elétrica gerada é modesta, mas serve para demonstrar o princípio da cogeração em microescala”, intervém o professor Simões, que coordena este trabalho.

Os resultados palpáveis da instalação, onde o monitoramento completo dos dados será feito e amplamente divulgado por um período mínimo de dois anos, conforme acordo estabelecido com a Companhia de Gás de São Paulo (Comgás), Gustavo acredita serem um fator importante para diminuir o medo dos empresários de apostar em soluções do gênero.

Bons precedentes

Para o diretor da Union Rhac, uma das instaladoras paulistas do HVAC com várias obras referenciais em seu portfólio utilizando gás natural, falta de conhecimento é mesmo um dos gargalos cruciais ainda existentes neste promissor segmento.

Apesar dos resultados altamente satisfatórios já obtidos por chillers de absorção e bombas de calor do tipo GHP (Gas Heat Pump) - a exemplo de outros equipamentos que deslocam a utilização da energia elétrica para áreas do edifício onde não haja opções à eletricidade tradicional - existe uma importante mudança cultural a ser feita.

“Ainda que as distribuidoras de gás e sua entidade representativa, a Abegás, se esforcem para disseminar a técnica para o uso correto e seguro, a divulgação ainda é incipiente e também pouco assimilada”, sentencia José Carlos Felamingo.

Membro da American Society of Heating, Refrigerating, and Air-Conditioning Engineers (ASHRAE), o engenheiro aponta como barreira igualmente considerável a existência de críticas que considera infundadas quanto à garantia de fornecimento e à própria viabilidade desses sistemas.

“Nem sempre a economia deve ser o único fator decisivo para o uso”, ressalta o empresário, lembrando não estar meramente em jogo se o gás ou a energia elétrica é melhor para uma determinada instalação, mas sim a combinação de ambos em diferentes momentos e circunstâncias.

Só mesmo um profissional qualificado, com base teórica suficiente sobre essas duas fontes, ele acredita ser capaz de oferecer ao cliente final maior economia, qualidade e segurança com relação ao melhor caminho a seguir.

A popularização crescente desse tipo de solução é outro fator favorável na área, no entender de Gustavo Barreto. A exemplo de Felamingo, ele espera um excelente futuro para o gás natural e aponta como precedente positivo para isto o que vem acontecendo com a energia fotovoltaica solar.

“No começo, as pessoas tinham muito receio daquela alternativa, mas a massa crítica maior acumulada até aqui já permite avaliar com mais precisão, por exemplo, tanto os custos quanto os pré-requisitos de instalação”, justifica o especialista em eficiência energética.

Outro paralelo interessante invocado por ele é o que envolve o próprio gás natural, porém no setor de aquecimento, onde a queima da substância é praticada há séculos, enquanto o chiller de absorção é bem mais recente.

Essa barreira, no entanto, Gustavo considera passível de ser removida com velocidade proporcional ao surgimento de novas obras com papel emblemático, como a do próprio Hospital Universitário, e edifícios do naipe do Rochaverá, também em São Paulo, uma obra que Felamingo reconhece ser motivo de orgulho para a Union Rach.

“Participamos das duas etapas de sua instalação, em 2007 e 2011, fornecendo, além de toda a engenharia, equipamentos, materiais e também a instalação eletromecânica de cogeração, CAG e geração de emergência”, relembra o empresário.

Trata-se, segundo ele, do maior complexo atualmente em cogeração na capital paulista, com 8.200kW de energia elétrica; 4.770 TR e 2.600kW em geração de emergência sincronizada.

“Só para se ter uma ideia, este sistema operou por quatro meses em ‘ilha’, ou seja, sem a alimentação da concessionária, ficando única e exclusivamente a cargo do gás natural neste período. Tudo funcionou sem ninguém perceber qualquer alteração na qualidade ou características de fornecimento, tanto da energia elétrica quanto do ar-condicionado”, diz o engenheiro, ao ilustrar o potencial que identifica em soluções capazes de mitigar a histórica dependência que temos da matriz tradicional.

Aliás, a energia elétrica sequer foi utilizada em outra obra de sua empresa, o Shopping Praça da Moça, em Diadema (SP), onde a Central de Água Gelada (CAG) possui três chillers por absorção do tipo fogo direto, utilizando como fonte de energia apenas o gás.

“Com capacidade total instalada de 1.680 TR, o consumo prognosticado no estudo de viabilidade econômica desse projeto jamais foi atingido”, comemora Felamingo, ao comentar a eficiência da instalação.

Ressalvas

Mas como ocorre em todo segmento, não se pode afirmar que tudo vai bem no mundo do gás natural, já que empresários como Edson Tito Guimarães, da Datum, reclamam com veemência da falta de incentivos oficiais.

O portfólio da empresa carioca por ele dirigida inclui a fábrica da Coca-Cola em Jundiaí, uma unidade gigantesca que, em pleno 2001 do ‘apagão’, passou a funcionar exclusivamente com esta energia alternativa, graças a um projeto no campo da cogeração.

“O custo ainda é muito elevado, impedindo uma maior concorrência com a energia elétrica”, lamenta ele, frisando que esta realidade tem prejudicado de forma expressiva uma evolução iniciada de forma altamente positiva anos atrás. “O Brasil desenvolveu um grande conhecimento em aplicar o GN no ar condicionado de 1990 a 2005, porém, a inviabilidade econômica paralisou a assimilação desta tecnologia, pois os empresários desistiram de continuar empregando o gás em suas instalações”, acrescenta Guimarães.

Contudo, segundo números da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado, os segmentos de cogeração e geração elétrica têm evoluído, embora apresentando comportamentos bastantes distintos que merecem uma análise mais detida.

Enquanto em 2013 o primeiro recuou 15,67%, com 2,5 milhões de metros cúbicos por dia, o segundo apresentou alta de 64,5%, totalizando 26,3 milhões de metros cúbicos diários consumidos.

Ao revelar tais números, no início do ano, o presidente executivo da entidade foi taxativo ao apontar os motivos de oscilações como esta, igualmente detectável quando se vê o número bem menor de taxistas que hoje rodam utilizando gás natural veicular, em comparação ao que se via não muito tempo atrás, na busca frenética de vantagem competitiva perante a gasolina e o etanol.

“O governo não está dando a devida atenção ao gás natural. Falta um planejamento integrado que dê incentivos e favoreça a equalização dos custos dos energéticos concorrentes. Enquanto isso, todo o planejamento da Petrobras aponta para a maior dependência do mercado externo”, constatou na ocasião Augusto Salomon.

De uma forma geral, porém, o consumo neste campo, considerando todas as aplicações, cresceu 17,8% em 2013 comparativamente ao ano anterior, com a média diária subindo de 57 milhões para 67,2 milhões de metros cúbicos.

As metas da Abegás para que os resultados sejam melhores ainda ao término de 2014 incluem a desoneração tributária do produto, bem como a implantação de políticas de incentivo, com destaque para a abertura de linhas de crédito destinadas a projetos de cogeração, climatização e conversão de veículos para a utilização do gás natural veicular (GNV).

Atuação da Comgás

Além de atuar intensamente desde o início do projeto do Hospital Universitário, o comprometimento da Comgás com o tema da eficiência energética também pode ser visto no trabalho de orientação ao mercado sobre as possibilidades oferecidas pelo gás natural.

Paralelamente ao desenvolvimento de novas tecnologias e aplicações com este fim, a empresa investe em ações de comunicação em meios como o seu portal, onde divulga dados que incluem a economia superior a 90% que se obtém no consumo de energia elétrica, ao adotar essa fonte alternativa no ar-condicionado.

Difunde também naquele espaço as modalidades de sistemas mais empregadas na área, caso dos Resfriadores de Líquido por Absorção (Chillers) e das Bombas de calor do tipo GHP (Gas Heat Pump).

O primeiro funciona por expansão indireta, ou seja, o refrigerante resfria água ou outro meio intermediário que, por sua vez, circula em uma serpentina para resfriar o ar a ser insuflado nos ambientes.

Já o segundo opera tanto por expansão direta quanto indireta, sendo que na primeira hipótese o refrigerante absorve o calor diretamente do ar do ambiente a ser condicionado.

Dentre as vantagens obtidas por esses sistemas, além da economia na conta de luz propriamente dita, a Comgás coloca produção simultânea de água quente; baixo nível de ruído; dispensa de geradores de maior porte; utilização de fluído refrigerante ecológico (água ou amônia no caso dos chillers ou R410a para os equipamentos do tipo GHP) e baixo custo de operação e manutenção em relação aos sistemas convencionais.
 
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